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Lieu : SG, RJ, Brazil

samedi, mars 10, 2007

Avant Garde


De um grande Reboliço eis que nascera a menina. Filha de um deus ou do acaso?
Não se sabe... Aliás, seu é o destino dos homens, indecifrável.
De pernas curtas e mente longa, vaga num quintal frio e escorregadio. Muito faz para manter-se de pé. Luta contra as leis da física; atrito, peso, gravidade. Nada. Cai mesmo e se ouve um choro mudo e abafado. Em terra de ninguém, choro de criança é a salvação de uma colheita quase extinta. Mas a pequena não. Abnegação era pouco para ela e muito a aquele povo.
De uma casa erguida a suor centenário e velho sai uma mulher de média estatura, vestindo saia florida e blusa engordurada. Grita pela menina. Essa se esconde em buracos de coelhos, espalhados na grande extensão de terra.
A mulher cansada, vira-se e dá os ombros “azar o dela e do diacho do homem”. Ela já comera.
Sim, odiava a menina e seu pai.
Esse, o pai da pequena criança, trouxera-lhe aquele lugar esquecido. Absorto na vida pusera-lhe ali para envelhecer.
Queria mesmo uma escrava sua que envelhecesse consigo. Atado às suas idéias socialistas, mesquinhas e unilaterais a faria sofrer.
De um canto do quintal, abarrotado de sonhos, livros e carregando um saco de semente nas costas avista-se o homem cruel e egoísta. Viera pegar com avidez e fome seu pertence precioso. O almoço.
Nele, a menina de olhos tortos e cabelos trançados confiava. Era seu pai. Com ele viveria para todo sempre. Amém!
Aproximou-se de sua cria e com um afago quase selvagem mexeu em seus cabelos e disse:
Precisa tomar outro banho. Faz calor. Ouviu? E não é banho de gato não! É banho de gente. Com sabão da costa e com o escovão.
Lançando olhar repreensivo e franzindo os lábios.
A menina avermelhou-se e deu-lhe um beijo.
Sabia que essa era a sua maneira única e paterna de lhe dizer eu te amo.
Abraçando-lhe as pernas, sua altura máxima concedida pelo tempo terreno, disse-lhe:
Também te amo!
O velho sorriu e sentaram juntos embaixo de uma amendoeira
A criança deslumbrada com a comida esquecia seu real significado e brincava com a refeição colorida e ordinária.
O pai comia e olhava o não visível. Examinava algo antes nunca olhado por ninguém e de maneira infantil, mas centrada também apreciava a menina. Os dois viam o além que habita as coisas.
Papai, dizia ela. Quem sou eu?
Pois, momento de reflexão imediata. Pois você é vocêE como sabe que eu sou eu. Como sabe que eu não sou a outra? Perguntava a menina com voz confusa.
Que outra é essa menina? O pai indeciso e preocupado titubeia em palavras calmas.
A outra que nunca fui, e que, um dia venha a ser... Joga-se no colo do pai e acaricia-lhe as rugas.
Vá brincar vai! Diz ele em busca de absolvição.
E se ela chegar enquanto estiver nos buracos de coelho? Você anota o recado, o endereço dela? Peça para contar uma história também. Pergunta a ela como é ser eu . Ah! Não a deixe falar com mamãe. Essa não escreve bem, e o senhor é um homem de letras, inteligente vai entender...
O pai a segura pelos ombros e a observa. A menina fala sem saber que é falar, gesticula coisas não inteligíveis a mortais e humanos de sua tenda, fazenda, época...
E não esqueça a idade! Pergunta depois de tudo a idade!
E para quê saber a idade? Indaga o homem abismado.
Pra saber se valerá viver até esse dia... Saber se valerá algum dia crescer.
Ele sorri e a manda levar os pratos.
A menina enrola e vai para o pomar. Ao pai, bem, ao homem só lhe resta uma saída.
Agarrar-se ao bloco de notas, ao lápis e esperar pela moça. Esperou que ela chegasse um dia qualquer. E é isso que ele faz até hoje.
William Go.