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dimanche, janvier 21, 2007

A estrangeira, um avião e uma escritora


Nada melhor que uma viagem para relaxar, reviver um cérebro cansado, fatigado pela selva carioca e rançosa de imaginação vencida.
Hoje pela manhã chegávamos a Portugal. Nosso vôo atrasou por problemas climáticos - não por passo planejado, pousamos em Lisboa.
Pousei em Lisboa já com um texto novo na cabeça reciclada e renovada por cinco horas turbulentas de viagem, marido, meus filhos. Fora os gringos que tanto falavam em línguas inteligíveis ou não.
Figurava o texto com alegria e orgulho. Orgulho de fazer parte daquela história indiretamente, sem ter vivido-a ou conhecer seus participantes e personagens verossímeis. Alegria não só minha, mas também da russa de olhar vermelho pela temperatura carioca, de tez avermelhada. Ela mais parecia um fruto do mar cozido em caldeiradas e vestia roupa bem colorida. Sim era fruto do mar e bem temperado. Agora a pergunta crucial: falo russo? Não! Mas falo a língua dos homens que nesse caso não é a do capitalismo voraz, que assombra muitos de várias classes e mundos, mas sim a do amor. Amor que nascera na Austrália e foi parar no Brasil.
Essa moça de 23 anos, cujo nome não sei escrever ou falar, essa moça que chamo de “Tung” por ser o mais próximo do nome original perfeito - o qual não sei, se apaixonou por André Nascimento. Filho dos Nascimento de Petrópolis que hoje reside na Gávea. Cursa Artes em uma universidade carioca de peso e quando, em viagem às terras australianas em um curso de artes aborígines, conhecera “Tung” e sua irmã “Suãi” (mais um problema fonético) em uns dos museus.
Essa jovem soube desde o princípio que o homem atípico a examinar com olhar de presa e caça uma obra de arte deixara-lhe de coração examinado.
Em pouco tempo André foi presa dos dotes e sentimentos de “Tung”.
Uma praia, que os salvara do calor temeroso fez os dois começarem o namoro. André não falava e não sabia nada de “Tung”, a russinha mal sabia o que era Brasil até que veio um convite. Tenho de confessar que convite esse só chegou após cinco meses: ir ao Brasil e conhecer a alma do povo de André, seus pais e penso eu - penso não, tenho a certeza que também iria conhecer sua nova terra e também a de seus filhos, de seus netos: da nova geração desse nascimento de amor estrangeiro. Uma legião estrangeira essa que, tomaria as paias cariocas.
Já André era moço viajado. Conhecera a Rússia aos 18 anos, há 12 anos atrás. Conhecera suas mulheres, a vida do que para ele era um marco de resistência política e um país que daria certo. Pois bem, logo após ele crescera verdadeiramente assim, reconheceu que vivia a vida. Vida Real.
“Tung” chegara ao Brasil. Pouca Roupa, óculos de sol, cores claras e um grande sorriso de gringo. Dizia: “oula”, “oubigái” e “tcháou”. Todos a entendiam. E se não a entendesse faziam-se entendidos pelo charme e alma clara de “Tung” Daí veio seu nome brasileiro: Clara. Branquinha, de olhos claros, pele alva como a neve mmais o cabelo amarelo feito gema. Era um ovo em movimento. Falava “olá”, “obrigado” e “tchau” a sua maneira. Fazendo-se clara a todos exceto aos pais de André.
Chegando a Petrópolis, nas imediações da casa que para a menina parecia um castelo de pedra medieval, tipicamente europeu de pedras brutas e escuras. Essa menina espantada pelo lar daquele moço ávido a olhar uma escultura de material artesanal marcado por um sorriso reluzente... Porque seus pais a ensinaram que o lar é onde nosso coração está. O lar de André era frio, escuro, inóspito e estava num morro íngreme de difícil acesso... Seria o coração, a alma, o espírito do rapaz assim? Iria ela encontrar terror, morbidez em terras onde se dança e canta felicidade? Será o homem que conhecera fantasia reciclável de carnaval? Ator a jogar com seu mais íntimo sentimento? Palhaço de companhia teatral de Moscou? Será que se chama André mesmo? Ou é um apelo a uma salvação de alma, corpo, todo?! A clandestina estava ali, de frente ao monumento erguido a ela e a seus filhos e não o queria! Era amaldiçoado. Era vil e peçonhento... Não era esse homem brasileiro, era nazista! Queria mais que comer-lhe a carne, desejava também beber-lhe o sangue frio e ácido que pulsava freneticamente em seu corpo; inundava a face de rubro terror. Trêmula respirava fundo, o ar lhe cortava as entranhas como só quando pequena a ocorreu... Sim, pois uma vez, quando saíra para o lago – desobedecendo a seu pai, mesmo sabendo que o inverno entrara fazia pouco foi admirar e tentar estrear os patins novos no gelo. Resultado: caiu no lago. O gelo ainda estava frágil assim como o seu coração naquele momento...
Os pais do rapaz, vendo a figura deslocada à beira de sua porta, perguntou-lhe o nome e que fazia ali. Ela não soube explicar. Chamaram André – o único a entender o “português claro” de “Tung”. Esse a apresentou como noiva. Choque para os pais.“Tung” consentiu. Era sim a senhora Nascimento. O fez de forma clara e natural. Mas os pais do menino tinham planos para ele: Mas francesinha “Marie Chambleux” filha da família renomada de Paris os “Chambleux”? Ou a inglesa “Elisabeth Bridwood” filha de um velho amigo de seu pai e dono de uma grande multinacional?
Não. Escolhera a russa. Com ela queria viver! Mas os pais fazendo vista grossa e, para não denegarem, o fizeram esperar mais um tempo. O que eram cinco meses? É uma decisão séria a ser feita! O casal respeitou as palavras sábias, porém interesseiras dos senhores. André até relutou, já a mocinha o repreendeu rapidamente: não se deve retrucar os mais velhos. Aprendera em seu país. País que os pais de André pouco conhecem, vivem em Nova York, cidades de massa, não têm tempo para cultura de conteúdo.
A sorte estava lançada. Passaram-se três maravilhosas semanas e Clara voltaria a ser “Tung”, se não fosse o fato do nascimento do herdeiro dos Nascimento. Não se impõe regra ao amor e como diz a Lispector, amor não é calculo matemático. Não há prazos nem meios. Acontece mesmo.
O que seria feito? Não se sabia, ainda. A mulher dourada voltaria a sua terra e após dois meses se casariam lá – a pedidos dos avós que não queriam uma nora grávida do neto no altar. Após o nascimento da criança russa, viria o princípio da nova legião Clara Nascimento redescobrir o Brasil e mesclar culturas.
Infelizmente foi o pouco e o necessário que André me contara no avião, junto à foto de Clara agarrada ao peito. Como é linda a menina cujo nome brasileiro é Ana Clara; homenagem à avó Ana Margarida e à mãe Clara. “É muito linda sim” derramei as palavras imbuídas de sentimentos aquáticos e oculares.
Um dos meus meninos acordou e eu prontamente fui socorrê-lo e ao avião também, pois, berreiro de crianças não é de se agüentar.
Distanciei-me de André e só o revi quando descia do avião. Este me deu o seu endereço. Gentilmente lhe passei o meu. Disse que era escritora e que sua história estaria na minha próxima coluna se ele me jurasse dizer o final! O jovem pai sorriu, consentiu em mandar-me fotos dele, de sua esposa e da menina.
Fiz o mesmo. Manteríamos contato.
Descia do avião e não era mais eu mesma. Sentia o final daquela história e assim me sentia ferramenta fundamental para o final daquele mito de viagem em avião. Das minhas mãos sairiam os códigos a darem real significado a tamanha façanha do destino. E foi basicamente isso que fiz. Não era necessário mais nada. Fui Clara e “Tung” com um pouco de meu Eu e mais nada desde então aconteceu mesmo...